O mercado de carbono é uma realidade e, pelo menos até o momento, uma realidade que se impõe. No entanto, para que esse mercado cumpra seu papel com justiça e eficácia, é preciso que ele reconheça as especificidades setoriais, territoriais e produtivas da economia — o que justifica, sim, a adoção de regimes diferenciados para determinados setores.
Essa perspectiva tem sido defendida com lucidez pelo professor Daniel Vargas, da FGV, que aponta a importância de adaptar a regulação brasileira às condições concretas do país, e não de simplesmente copiar modelos exógenos. A agricultura brasileira, por exemplo, possui uma dinâmica muito distinta da indústria europeia ou dos setores urbanos de países do Hemisfério Norte. O risco de impor metas e custos homogêneos a setores profundamente heterogêneos é criar distorções que penalizam a produtividade e a segurança alimentar, ou empurram produtores para a informalidade.
Exemplos internacionais reforçam essa abordagem. A Suécia, país reconhecido por sua liderança ambiental, aplicou uma taxa de carbono com isenções e alíquotas diferenciadas. Setores como a horticultura, a mineração e algumas indústrias estratégicas foram isentos ou parcialmente taxados, justamente para preservar a competitividade e garantir a adaptação gradual. Ainda assim, o país conseguiu reduzir significativamente suas emissões e manter um ritmo elevado de crescimento e inovação.
A China, por sua vez, adotou um mercado de carbono com foco inicial apenas no setor de energia, e vem expandindo sua abrangência de forma gradual e estratégica. Essa escolha permite calibrar políticas setoriais com maior precisão, sem comprometer sua meta central de crescimento e transição energética. Além disso, o regime diferenciado ajuda a evitar choques abruptos sobre o emprego e o custo de vida — algo essencial para a estabilidade social.
No Brasil, um país com vastas diferenças regionais e grande dependência da agricultura e da indústria extrativa, um mercado de carbono único, rígido e centralizado pode se transformar em um mecanismo de concentração de poder e de desindustrialização acelerada. A implementação de regimes diferenciados permite que o mercado funcione como um instrumento de transição, e não como uma sentença de inviabilidade para setores produtivos fundamentais.
É justamente por isso que a exclusão temporária de setores como o agronegócio das metas compulsórias no recém-sancionado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) não deve ser lida como privilégio, mas como prudência regulatória. Para que esses setores entrem no mercado com responsabilidade e segurança, é necessário primeiro desenvolver metodologias confiáveis de medição e verificação das emissões, algo ainda em construção.
Além disso, é fundamental reconhecer que políticas climáticas eficazes devem ser razoáveis em sua aplicação, levando em conta as condições materiais de cada setor e região. O princípio das contribuições diferenciadas — consagrado nas negociações climáticas internacionais — deve se refletir também na política interna de cada país. Não se pode exigir o mesmo de quem não tem os mesmos meios. Políticas climáticas justas são aquelas que distribuem responsabilidades de forma proporcional, sem comprometer a sobrevivência produtiva dos mais vulneráveis.
Por fim, um regime diferenciado fortalece o princípio da justiça climática: não se pode exigir o mesmo esforço de setores que já operam em margens apertadas e regiões vulneráveis, enquanto multinacionais de alto impacto têm capacidade financeira e tecnológica para se adaptar rapidamente. Um mercado justo deve ser também inteligente — e isso implica reconhecer as diferenças para construir convergências.
A virtude de um mercado de carbono eficaz não está na rigidez, mas na sua capacidade de guiar a economia para uma nova fronteira de desenvolvimento sustentável, sem sacrificar o que é vital para o país.
Redação
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