A recente entrada em vigor da Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), marca um passo importante na institucionalização do mercado de carbono no país. A proposta, à primeira vista, parece sensata: regulamentar a venda e compra de créditos de carbono e organizar um setor que já movimentava milhões informalmente. No entanto, por trás do discurso técnico e ambiental, escondem-se riscos estratégicos profundos — e um projeto de país perigosamente passivo.
Transformar o Brasil em um celeiro de créditos de carbono para abastecer as metas ambientais das potências globais não é política ambiental — é servilismo climático. É um modelo que terceiriza a ambição tecnológica, a capacidade produtiva e a soberania energética a troco de migalhas em forma de "compensações". Enquanto Europa, China e EUA investem pesado em novas indústrias verdes, inteligência artificial, robótica e reindustrialização sustentável, nos oferecem a função de manter o mato em pé para que eles sigam emitindo e inovando — e ainda nos vendem isso como virtude.
Não se constrói soberania, nem revolução tecnológica, com crédito de carbono. Um país que renuncia à sua capacidade de transformar a terra em valor produtivo para viver da sua “imobilização” está renunciando também ao seu futuro. O Brasil precisa de uma estratégia nacional de produção, com base na inovação tecnológica, na industrialização de baixo carbono e no fortalecimento de cadeias de valor agroindustriais sustentáveis. A floresta pode ser preservada, sim — mas como parte de um projeto nacional, não como ativo financeiro a serviço de outros países.
Há também uma manipulação silenciosa que se esconde por trás da “economia verde”: a tentativa de certos grupos internacionais — inclusive algumas ONGs — de ditar os critérios de certificação, validação e operação dos créditos de carbono no Brasil. Ao controlarem os selos de legitimidade ambiental e os mecanismos de auditoria, essas organizações se colocam como guardiãs de um mercado que pode movimentar bilhões, impedindo a entrada de projetos autônomos, de pequenos produtores ou de empresas nacionais sem os vínculos “certos”. O que se vende como “sustentabilidade” muitas vezes é, na verdade, um modelo centralizado e excludente, onde a regulação vira instrumento de controle econômico e político.
Enquanto isso, há setores da política tentando impedir que comunidades indígenas, quilombolas e camponesas possam explorar as riquezas que o próprio Estado lhes reconheceu — seja na agricultura, na mineração ou em outras atividades produtivas. Ao limitá-los à geração de créditos de carbono, impõe-se a essas populações um papel meramente passivo e dependente de fluxos internacionais de capital verde. Isso não é inclusão produtiva, é uma nova forma de confinamento econômico.
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O Brasil não é quintal, nem jardim botânico de ninguém. Não podemos aceitar o papel subalterno de fornecedor de “serviços ambientais” para que países ricos compensem suas próprias contradições internas. A lei do mercado de carbono pode ter sido sancionada, mas o que ainda está em jogo é o modelo de desenvolvimento que queremos: um país produtivo, soberano e inovador — ou uma reserva ecológica terceirizada para a elite global continuar crescendo enquanto nos mantém paralisados sob a bandeira do verde.
Editorial
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Foto: Anderson Cardoso
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